Thursday, December 04, 2008

Lisboa

Conhecem a expressão "dar o golpe"? Foi um amigo que me ensinou. Consiste em ultrapassar o maior número de carros possível, por uma fila que não é a nossa, e aproveitar um buraco com metade do tamanho do nosso carro para passarmos para aquela que de facto queremos.

Com o tempo, aprendi a dar o golpe. E como tantas outras coisas na vida, há truque.

Pelo condutor não é possível identificar um alvo ideal. O leitor mais maçarico pensará imediatamente que "velhos" e "gajas" serão alvos preferenciais. Incorrecto. Em primeiro lugar, os velhos. Quando se dá o golpe todos os dias da semana, nos últimos 20 anos, é natural que se ganhe um certo calo. E tal como se aprende a dar o golpe, aprende-se a evitar levar o golpe. Um velho arrisca sem medo a mossa no pára-choques, e mantém-se coladinho ao carro da frente. É arrojado embora claramente não tenha reflexos para grandes travagens e apita quando alguém dá o golpe a um carro à sua frente. Mas tem o seu orgulho. E o facto de não ir ter sexo em casa não o demove. Em segundo lugar, as gajas. Quem pensou nisto é claramente novo e inexperiente. É correcto que tecnicamente possam existir limitações. Mas a mentalidade está lá, como se ouvissem um Mourinho ao longe a dar instruções. Para uma gaja, levar o golpe, exceptuando quando se trata de um gajo bom, num bom carro (que até é o meu caso, mas tenho que generalizar), dá origem a um feudo de morte, em que, se por azar, durante o resto da sua vida, o(a) autor(a) do golpe alguma vez precisar de ajuda, aquele momento infeliz vai ser trazido ao barulho, e quando sabem, estão a morrer engasgados porque, e passo a citar, "deram o golpe à gaja errada". Adiante.

O tipo de CARRO é a principal base para o golpe. Carros de empresa: Esqueçam! Se derem o golpe a um gajo com um carro com autocolantes, existe 40% de hipótese de o gajo vos entrar com o dito pelo habitáculo a dentro. O carro não é dele, é para foder o mais possível de qualquer forma, vai lá agora levar o golpe! Já mê!

Citadinos: Deixem-se disso. São leves e a malta gosta de aproveitar isso para arrancar depressa. Parece que conduzem um ferrari.

Carros de alta cilindrada: Bom alvo. Tipicamente, quem ganha para ter um bruto carro não tem que andar metido em filas. Anda de carro à hora que lhe apetece, no dia que lhe apetece. Se está metido numa fila, é porque não têm outro sítio onde estar. Está descontraído, a vida corre-lhe bem, tem guito, tem AC automático, está-se a cagar para ti e para o golpe que acabaste de lhe dar.

Pesados: Este tipo de veículo arranca devagar, não pode travar bruscamente, precisa de uma boa distância de segurança. Se tiverem dispostos a arriscar ser esmagados, este é o alvo ideal. Usem e abusem.

Táxis: Cuidado ao ver um táxi numa fila. Lá por já ter adquirido a posição, facilmente transita de faixa para tentar dar o golpe novamente mais à frente. São profissionais. Se der tempo, aguentem alguns segundos em posição para ver o que eles vão fazer, e agarrem uma oportunidade de ocupar o lugar deles. Como estão a ocupar um lugar já existente, nem é considerado golpe.

Outros: Não invistam directamente noutro tipo de alvos não contemplados. Se tiverem reflexos e unhas, aproveitem eventuais distracções imprevistas, normalmente é a táctica mais comum dos condutores de Lisboa. Malta na conversa ou ao telemóvel, gajas a maquilharem-se, tipos a lerem o jornal. Mas só se apercebem disto depois do golpe já dado.

Resta referir que não vale a pena pensar muito no golpe. Eu, auto-intitulado "pensador do golpe", recebi a minha formação de um golpista experiente, a trabalhar numa empresa onde existe uma rede organizada de golpistas (combinam golpes em grupo, basta um conseguir dar o golpe, os outros colocam-se à frente), munidos da mais avançada tecnologia (telemóveis muito pequenos e auriculares muito pequenos bluetooth). O leitor não tem, nem terá, este tipo de recurso. Ponto assente. Continuando, é comum assistir ao chamado "golpe duplo", em que alguém assiste a um outro condutor a dar o golpe, e "pensa" (e aqui está o já referido problema) que, como alguém que também entende a natureza do golpe, esse sujeito irá facilitar a entrada a um colega golpista. ERRADO. A primeira coisa que o golpista pensa, após um golpe bem sucedido é "eu já me safei, os outros que se fodam, e que se foda também esta abécula a quem acabei de dar o golpe" ... "hehe". Não se pode negociar com o golpista. Não se pode conversar com o golpista. Não se pode argumentar com o golpista.

1 comment:

Unknown said...

ahahaha

I'm proud of you my young Padawan! A Master you will be :D

Dica #357: Assim que deres o golpe, mantém a roda do lado da faixa a proteger em cima do tracejado (cuidado com os contínuos:P).